terça-feira, 12 de março de 2013

Astrónomos levam a cabo primeiro reconhecimento remoto de sistema estelar



(Astronomia On Line - Portugal) Astrónomos realizaram um reconhecimento remoto de um sistema estelar distante com um novo sistema de imagem que analisa a luz ofuscante das estrelas. Usando um conjunto de instrumentos topo de gama e um software chamado Project 1640, os cientistas recolheram as primeiras impressões digitais químicas, ou espectro, dos quatro exoplanetas do sistema HR 8799, que orbitam a 128 anos-luz da Terra. Uma descrição detalhada dos planetas - mostrando quão drasticamente diferentes são de outros mundos conhecidos no Universo - foi aceite Sexta-feira passada para publicação na revista The Astrophysical Journal.

"Uma imagem vale mais que mil palavras, mas um espectro vale mais que um milhão," afirma Ben R. Oppenheim, o autor principal, curador adjunto e presidente do Departamento de Astrofísica do Museu Americano de História Natural.

Oppenheimer é o investigador principal do Project 1640, que usa o telescópio Hale do Observatório Palomar na Califórnia. O projecto envolve investigadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia, do JPL da NASA, da Universidade de Cambridge, da Universidade de Nova York e do STScI (Space Telescope Science Institute), além da equipa de Oppenheim no Museu.

Os planetas que giram em torno da estrela deste estudo, HR 8799, já foram fotografados no passado. Mas, além de uma medição parcial do planeta mais exterior no sistema, a brilhante luz da estrela impossibilitou tentativas prévias de estudar os planetas com espectroscopia, uma técnica que divide a luz de um objecto nas suas componentes de cores - como um prisma que espalha a luz do Sol num arco-íris. Dado que cada químico, como por exemplo o dióxido de carbono, metano, ou água, tem uma assinatura única de luz no espectro, esta técnica é capaz de revelar a composição química da atmosfera de um planeta.

"No século XIX pensava-se ser impossível saber a composição das estrelas, mas a invenção da espectroscopia astronómica revelou informações detalhadas acerca de estrelas próximas e galáxias distantes," afirma Charles Beichman, director executivo do Instituto de Ciências Exoplanetárias da NASA no Instituto de Tecnologia da Califórnia. "Agora, com o Project 1640, estamos começando a virar esta ferramenta para a investigação de exoplanetas vizinhos para aprender mais sobre a composição, temperatura e outras características das suas atmosferas."

Com este sistema, os pesquisadores são os primeiros a determinar o espectro de todos os quatro planetas em redor de HR 8799. "É fantástico receber os espectros dos quatro planetas numa única observação," afirma o co-autor Gautam Vasisht, astrónomo do JPL (Jet Propulsion Laboratory).

Os resultados são "muito estranhos,", afirma Oppenheimer. "Estes planetas quentes e vermelhos são diferentes de qualquer outro objecto conhecido no nosso Universo. Todos os quatro planetas têm espectros diferentes, e todos os quatro são peculiares. Os teóricos têm muito trabalho a fazer agora."

Uma das anormalidades mais impressionantes é o aparente desequilíbrio químico. A química básica prevê que a amónia e o metano coexistam naturalmente em quantidades variáveis a menos que estejam em ambientes extremamente frios ou quentes. No entanto, os espectros dos planetas HR 8799, todos os quais têm temperaturas "mornas" que rondam os 1000 K, ou têm metano ou amónia, com poucos sinais ou nenhuns dos seus parceiros químicos. Outros químicos podem também estar presentes, como o acetileno, nunca descoberto até agora em exoplanetas, e o dióxido de carbono.

Os planetas também são "mais vermelhos", o que significa que emitem em comprimentos de onda mais longos, do que objectos celestes com temperaturas semelhantes. Isto pode ser explicado, dizem os autores, por cobertura significativa, mas desigual, de nuvens sobre os planetas.

Com 1,6 vezes a massa e cinco vezes o brilho, a própria HR 8799 é muito diferente do nosso Sol. O brilho da estrela pode variar até 8% durante um período de dois dias e produz cerca de 1000 vezes mais radiação ultravioleta que o Sol. Todos estes factores podem afectar as impressões digitais espectrais dos planetas, possivelmente induzindo meteorologia complexa e neblinas que podem ser reveladas pelas mudanças periódicas nos espectros. São necessários dados adicionais para explorar mais profundamente as características invulgares deste sistema estelar.

"O espectro destes quatro mundos mostram claramente que são demasiado tóxicos e quentes para sustentar vida como a conhecemos," afirma Ian Parry, co-autor do estudo e professor do Instituto de Astronomia da Universidade de Cambridge. "Mas o dado realmente excitante é que um dia, as técnicas que desenvolvemos dar-nos-ão a primeira evidência segura da existência de vida num planeta para lá do nosso Sistema Solar."

Além de revelar planetas únicos, a pesquisa estreia uma nova capacidade de observar e rapidamente caracterizar sistemas exoplanetários de forma rotineira, algo que iludiu os astrónomos até agora porque a luz que as estrelas emitem é dezenas de milhões até milhares de milhões de vezes mais brilhante que luz reflectida pelos planetas. Isto complica em muito a observação directa e a análise exoplanetária: como Oppenheim diz, "é como tirar uma única foto de um arranha-céus num avião que revela a altura do edifício, bem como ao mesmo tempo obter uma imagem de uma elevação na calçada da rua com uma diferença de altura de um par de bactérias."

O Project 1640 ajuda os cientistas a ultrapassar este obstáculo, afinando e escurecendo a luz de uma estrela. Este avanço tecnológico envolve a operação coordenada de quatro instrumentos principais: o sistema de ópticas adaptivas mais avançado do mundo, que pode fazer milhões de pequenos ajustes nos dois espelhos de seis polegadas do instrumento a cada segundo; um coronógrafo que ofusca opticamente a estrela mas não outros objectos no campo de visão; um espectrógrafo de imagem que grava 30 imagens num arco-íris de cores simultaneamente; e um sensor de frente de onda especializado que distingue entre luz estelar residual que se infiltra através do coronógrafo e a luz dos planetas, permitindo com que os cientistas filtrem mais eficazmente a luz estelar de fundo.

Em conjunto, o projecto produziu imagens de objectos celestes entre 1 milhão e 10 milhões de vezes mais ténues do que a estrela no centro da imagem, com apenas uma hora de observações. É também capaz de medir o movimento orbital dos objectos.

"Os astrónomos são agora capazes de monitorizar céus nublados em planetas extrasolares e, pela primeira vez, fizeram tais observações em quatro planetas de uma só vez," afirma Maria Womack, directora do programa para a Divisão de Ciências Astronómicas do NSF (National Science Foundation). "Esta nova capacidade permite agora aos astrónomos fazer comparações à medida que estudam as atmosferas, e talvez até mesmo padrões meteorológicos, nos planetas."

Os investigadores estão já a recolher mais dados sobre este sistema para procurar alterações nos planetas ao longo do tempo, bem como estudando outras jovens estrelas. Durante a sua pesquisa de três anos em Palomar, que começou em Junho de 2012, o Project 1640 espera examinar 200 estrelas até cerca de 150 anos-luz do Sistema Solar.

"A variação nos espectros dos quatro planetas é realmente intrigante," afirma Didier Saumon, astrónomo do Laboratório Nacional de Los Alamos que não esteve envolvido no estudo. "Talvez não deva ser muito surpreendente, dado que os quatro planetas gasosos do sistema estelar são todos diferentes. As centenas de exoplanetas conhecidos obrigaram-nos a ampliar o nosso pensamento, e estes novos dados continuam a fazer exactamente isso."
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