segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Novo modelo pode identificar planetas potencialmente habitáveis


(Astronomia On Line - Portugal) As manchetes têm aparecido depressa: um trio de super-Terras descobertas na zona habitável da estrela Gliese 667C, dois planetas provavelmente rochosos na zona habitável em redor de Kepler-62 e possíveis super-Terras em órbita de Tau Ceti e HD 40307, à distância ideal para que água líquida exista às suas superfícies, embora sob certas condições.

Estes são apenas dos últimos doze meses. Deverão os caçadores de exoplanetas que procuram a Terra n.º 2, um planeta onde a vida como nós a conhecemos possa existir, começar a sentir-se animados?

Ainda não. O nosso conhecimento destes planetas é lamentavelmente incompleto. No entanto, os tempos podem estar a mudar. Embora ainda não possamos determinar se um planeta é hospitaleiro à vida, David Kipping do Centro Harvard-Smithsonian para Astrofísica liderou uma equipa de astrónomos no desenvolvimento de um novo modelo teórico que pode dizer-nos com um rápido olhar se uma super-Terra - um mundo com duas a 10 vezes a massa do nosso planeta e até duas vezes o seu diâmetro - tem uma atmosfera que pode não ser adequada para a vida.

Consequentemente, podemos descartar tais mundos da nossa busca por análogos da Terra. Tem tudo a ver com a possibilidade de um planeta ter uma atmosfera e como essa atmosfera está ligada à relação entre a massa de um planeta e o seu diâmetro.

As duas principais técnicas de detecção de exoplanetas são maravilhosamente complementares. Quando um planeta transita a sua estrela-mãe - isto é, passa em frente da sua estrela, bloqueia uma fracção da luz estelar -, podemos determinar o diâmetro do planeta a partir do tamanho do trânsito. Enquanto isso, esse planeta em órbita também exerce uma força gravitacional sobre a sua estrela-mãe. Se conseguirmos detectar esse puxão, podemos calcular a massa do planeta com base na extensão pela qual o planeta está a puxar a estrela.

O único problema é que nem todos os planetas orbitam a sua estrela num ângulo apropriado para podermos ver um trânsito, enquanto alguns planetas extrasolares e suas estrelas estão demasiado distantes e são demasiado ténues para medirmos com precisão a força da sua "velocidade radial" (muitos dos candidatos a planeta do Kepler enquadram-se nesta categoria).

No entanto, para esses mundos onde temos a sorte de conhecer ambas as duas propriedades, podemos determinar o volume do planeta e assim dividir a massa pelo volume e chegar à densidade do planeta, o que nos diz se é provavelmente rochoso, gasoso ou gelado.

O modelo de computador que Kipping desenvolveu, juntamente com Dimitar Sasselov de Harvard e David Spiegel de Princeton, permite com que um astrónomo insira esses números da massa e raio e, sabendo a densidade, descobrir se um planeta - em particular, uma super-Terra - tem uma atmosfera leve mas larga, ou uma atmosfera relativamente pesada mas fina.

Isto é importante porque a atmosfera da Terra é do último tipo - uma camada com 100 km preenchida com nitrogénio, oxigénio, dióxido de carbono, árgon, vapor de água e néon que corresponde a apenas 1,5% do raio da Terra. Nós não sabemos se uma atmosfera espessa constituída principalmente por hidrogénio e hélio - semelhante às atmosferas de Urano e Neptuno, mas mais quente - poderia suportar vida, e por isso as buscas pelo gémeo da Terra podem querer evitar tais mundos.

A maneira como o modelo de Kipping, Sasselov e Spiegel faz uso de um gráfico com a massa do planeta contra o seu raio, e onde um mundo cai nesse diagrama, diz-nos se é rocha sólida, parcialmente líquido ou se tem uma fracção significativa de gás.

"Existe uma gama completa de modelos para a construção de super-Terras," afirma Kipping. "Podem ser compostos por ferro, por silicato, por água, ou por uma mistura destes elementos."

No entanto, quando um planeta transita uma estrela, não só o corpo sólido do planeta bloqueia alguma da luz estelar, como o mesmo acontece com a sua atmosfera. Ao simplesmente detectar a silhueta do planeta não podemos automaticamente determinar que parte é sólida ou que parte é atmosfera gasosa. O diagrama massa-raio, no entanto, fornece uma maneira de contornar este problema.

Kipping e colegas calcularam limites teóricos para cada tipo de planeta. A condição de limite inferior denota uma super-Terra feita de rocha sólida com um núcleo de ferro e sem uma atmosfera. O limite superior implica um planeta constituído inteiramente por água que, afirma Kipping, é provavelmente impossível - é preciso que haja um núcleo sólido - e, portanto, não podemos obter uma super-Terra menos densa do que um mundo de água (planetas puramente gasosos, pensa-se, não podem existir tão pequenos como super-Terras e até mundos tipo-Neptuno têm um grande núcleo rochoso).

Portanto, se se descobrir um planeta e traçar a sua massa contra o seu raio apenas para descobrir que reside no gráfico acima da linha impossível de água pura, então a única maneira de explicar a sua densidade aparente tendo em conta o seu raio é que deverá ter uma grande atmosfera.

Tais modelos de massa-raio já existem há algum tempo, mas o que torna os modelos de Kipping diferentes é que são baseados numa nova compreensão da física dos materiais colocados sobre enormes pressões que o interior de uma super-Terra imporia sobre eles. Dimitar Sasselov, juntamente com o seu aluno Li Zeng, foi capaz de criar modelos do interior de super-Terras usando novas tecnologias laboratoriais capazes de simular estas pressões.

Eles publicaram o seu estudo na edição de Março de 2013 da revista Publications of the Astronomical Society of the Pacific e o diagrama massa-raio de Kipping será publicado no Monthly Notices da Sociedade Astronómica Real, modelado em torno destas estruturas interiores por Sasselov e Zeng.

O que é que o modelo nos diz sobre as super-Terras que já descobrimos? Kipping, Spiegel e Sasselov concentraram-se em GJ 1214b, um mundo com seis vezes e meia a massa e duas vezes e meia o diâmetro do nosso planeta, que orbita uma anã vermelha a 47 anos-luz de distância.

Antes, o planeta era um puzzle - independentemente do comprimento de onda em que era observado, o tamanho do planeta era sempre o mesmo, o que não deveria acontecer porque uma atmosfera deveria ser mais opaca em certos comprimentos de onda do que noutros. Será que a sua atmosfera era larga e coberta com nuvens grossas e opacas, ou era fina o suficiente para não se notar? A utilização do diagrama de massa-raio resolve a questão.

"O nosso método diz que 20% do raio deste planeta é pura atmosfera, o que favorece fortemente a ideia de uma atmosfera muito leve e larga, composta por hidrogénio-hélio e com nuvens no topo," realça Kipping. "Assim, somos capazes de entrar neste debate com estas duas possibilidades e dizer qual é mais provável, apenas com base na simples medição da massa e do raio do planeta."

Outro mundo intrigante é Kepler-22b, que foi o primeiro planeta na zona habitável a ser descoberto pelo Observatório Kepler da NASA. A cerca de 620 anos-luz da Terra, orbita uma estrela parecida com o Sol a uma distância de 0,85 UA (uma UA, ou Unidade Astronómica, é a distância média entre a Terra e o Sol, 149,6 milhões de quilómetros) e tem um diâmetro 2,5 vezes superior ao do nosso planeta.

"Tentámos aplicar a nossa técnica para este planeta, mas infelizmente a medição da massa é muito pobre porque orbita uma estrela muito distante," acrescenta Kipping. "O que descobrimos foi que os dados eram incapazes de dizer, de uma ou de outra maneira, que tipo de planeta é; fica na linha azul [mundo de água], por isso não podemos dizer se é um planeta rochoso com uma grande atmosfera ou um mundo aquático com muito pouca atmosfera."

Infelizmente também acontece o mesmo para o resto dos planetas potencialmente habitáveis descobertos até agora, uma lista que é mantida pelo professor Abel Mendez do Laboratório de Habitabilidade Planetária da Universidade de Porto Rico em Arecibo, na forma do Catálogo de Exoplanetas Habitáveis.

Actualmente residem na lista uma dúzia de planetas, cumprindo os critérios de ser (provavelmente) rochoso e estar na zona habitável da estrela. No entanto, como descobrimos com Kepler-22b, na maioria dos casos a massa ou raio são pouco mais do que estimativas e, como tal, a maioria tende a estar situada nessas condição de limite.

"Os astrónomos estimam a massa ou o raio partindo do pressuposto de que os planetas mais pequenos são mais rochosos em composição e que os planetas perto de dois raios terrestres são mundos de água," afirma Mendez. "Esta parece ser uma boa estimativa para a maioria dos casos, mas existe muita incerteza; por exemplo, Kepler-11f tem pouco mais de duas massas terrestres mas é um gigante gasoso, ao passo que Kepler-20b, com nove vezes a massa da Terra, é rochoso."

O diagrama massa-raio de Kipping faz apenas metade do trabalho. Sem bons dados a nova relação massa-raio está limitada no que pode dizer-nos. Para os planetas do Kepler, são necessárias melhores medições da massa e da velocidade radial, mas isso é complicado uma vez que a maioria das estrelas em torno das quais o Kepler descobre planetas são fracas e distantes.

Para os mundos descobertos por velocidade radial, precisamos de mais sorte em observar os trânsitos para obter o seu diâmetro. A aprovação do TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite), com lançamento previsto para 2017 e que irá sistematicamente estudar todas as estrelas mais brilhantes do céu por planetas em trânsito é um benefício enorme para o campo de estudo.

"A missão TESS promete mudar radicalmente este quadro," afirma Heather Knutson, astrónoma planetária do Instituto de Tecnologia da Califórnia cuja pesquisa é focada na área de atmosferas exoplanetárias. "De momento existem apenas três super-Terras de trânsito adequadas para a caracterização detalhada e todos os três foram observados ou com o Spitzer ou com o Telescópio Hubble, ou ambos. Na era do TESS teremos muitas mais super-Terras do que podemos estudar razoavelmente e o critério de Kipping fornecerá um meio útil para seleccionar alvos que possam ter assinaturas atmosféricas detectáveis."

O lançamento do JWST (James Webb Space Telescope), um ano depois do TESS, irá também aumentar dramaticamente a ciência nascente das investigações atmosféricas de exoplanetas. O JWST, com o seu espelho de 6,5 metros, vais alargar as suas observações até ao infravermelho próximo, perfeito para detectar as assinaturas ténues da água, metano, oxigénio, monóxido de carbono e dióxido de carbono nas atmosferas, o que poderá ser interpretado como bioassinaturas dependendo das suas concentrações. O TESS irá identificar os planetas, o modelo de massa-raio vai decidir quais queremos observar e o JWST vai dizer-nos mais sobre eles. Serão tempos emocionantes e a espera vai ser insuportável para os cientistas. "Nesse momento, quase tudo é possível," exclama Knutson.

Existem muitas variáveis no "fabrico" de um planeta habitável, desde a presença de um campo magnético para proteger a sua atmosfera até à questão de saber se tem placas tectónicas para reciclar carbono. São também necessidades plausíveis: um eixo de rotação estável, uma taxa de impacto moderada e gravidade suficiente.

No entanto, o facto de ter atmosfera, especialmente uma que contenha algum género de efeito de estufa, é um dos mais importantes, essenciais para a manutenção de temperaturas confortáveis que permitam a existência de água líquida à sua superfície. Dito isto, a gama de atmosferas adequadas pode não ser tão estreita quanto possamos pensar.

"Eu não acho que as atmosferas espessas de hidrogénio-hélio descartem a possibilidade de vida nesses planetas, enquanto a pressão na transição superfície/água permite o estado líquido," realça Mendez.

Assim, uma super-Terra com um invólucro espesso de hidrogénio rodeando um núcleo rochoso, profundo, poderá ainda ter condições líquidas a profundidades onde a pressão, de acordo com Mendez, cai abaixo das 10 mil atmosferas, embora, claro, a temperatura também tenha uma palavra a dizer sobre o onde e se este ponto de transição ocorre.

Há ainda outra possibilidade intrigante. Na Terra, as correntes de convecção e os fluxos de ar são fortemente influenciados pelo que está na superfície, sejam oceanos, continentes ou montanhas. Será que um cuidadoso estudo da atmosfera de uma super-Terra pode dizer-nos mais sobre o terreno por baixo, que de outro modo estaria para lá das capacidades dos nossos telescópios?

"Sim, potencialmente, mas a atmosfera teria que ser fina o suficiente para as nossas observações detectarem os fluxos atmosféricos da região perto da superfície," afirma Knutson, que também aponta que uma atmosfera fina será transparente o suficiente para medir espectroscopicamente a superfície do planeta e determinar se existem oceanos, desertos ou até mesmo vida vegetal.

"Quando recebermos todos estes novos super-telescópios no futuro [tais como o TMT (Thirty Meter Telescope), o GMT (Giant Magellan Telescope) e o E-ELT (European Extremely Large Telescope)] seremos capazes de estudar atmosferas tipo-Terra," afirma Kipping. "Em casos especiais poderemos até estudar atmosferas muito pequenas que potencialmente possam abrigar vida."

Mas estamos a meter a carroça à frente dos bois; o novo modelo de massa-raio apenas nos fornece um modo de dizer que os planetas não têm uma atmosfera fina. Se chegarmos à conclusão que uma super-Terra não tem uma atmosfera larga, então poderá valer a pena apontar o JWST para lá e medir o espectro de qualquer atmosfera presente e ver se é parecida com a da Terra.

"Se estamos realmente à caça de planetas tipo-Terra e o nosso método diz-nos que tem uma atmosfera grande ou larga, então provavelmente estamos a perder tempo," realça. "É uma forma de pesquisar mais eficazmente análogos da Terra."

Com o TESS, o JWST e a próxima geração de telescópios extremamente grandes no horizonte, o novo modelo de Kipping surgiu no momento oportuno. Da maneira como as coisas estão a correr, a próxima década pode ser a década da super-Terra. Todas os indícios apontam para que seja uma época emocionante.

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