quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Satélite pifado sabota busca por outras Terras



(Mensageiro Sideral - Folha) O leitor frequente do Mensageiro Sideral há de se lembrar da pesquisa de Charles Lineweaver, que recentemente usou astronomia do século 18 para prever a existência de planetas até agora desconhecidos — e possivelmente habitáveis — ao redor de estrelas similares ao Sol. Pois bem. Troquei umas figurinhas com ele e descobri que a pifada recente do Kepler, satélite caçador de planetas da Nasa, vai atrapalhar bastante a confirmação das previsões que ele fez. Confira abaixo a conversa que tive com Charley (não me critiquem, ele assina assim no e-mail).

Mensageiro Sideral – Seu trabalho mostra claramente que a relação de Titius-Bode, concebida no século 18, não é uma coincidência. Quando se tem um versão genérica dela que se encaixa em 94% dos sistemas com múltiplos planetas, tem alguma coisa importante aí. Isso irá nos ajudar a entender como sistemas multiplanetários se formam?
Charles Lineweaver - Essa é a nossa esperança. Não há uma visão de consenso subjacente à relação de Titius-Bode. Ao encaixá-la a sistemas exoplanetários e ao quantificar esses encaixes, esperamos que esses detalhes empíricos nos ajudem a entendê-la melhor. Você deve notar que não a chamamos de “lei de Bode”. Muitos bons cientistas em todos os outros respeitos aplicam um pensamento preto ou branco a essa questão. Ou seja, eles assumem que ou um sistema planetário tem de encaixar a essa “lei” exatamente, ou não encaixa e pronto. Em nosso estudo, quantificamos o quanto os sistemas planetários se encaixam na relação de Titius-Bode e descobrimos que esses encaixes são muito bons.

Mensageiro Sideral – Parece que a relação de Titius-Bode é inútil para determinar a posição do primeiro planeta no sistema (da qual as de todos os outros naturalmente emergem). Você tem alguma ideia do que determina isso?
Lineweaver - Tanto a teoria como observações sugerem fortemente que os primeiros planetas a se formar num disco protoplanetário são os mais massivos e gasosos além da linha do gelo (Júpiter e Saturno em nosso Sistema Solar). As órbitas desses primeiros planetas a se formar então estabelecem zonas de exclusão em torno de si mesmos onde nenhum outro planeta pode se formar, e eles também criam ressonâncias de movimento médio (por exemplo, 2:1, 3:2) que parecem atrair outros planetas. Eu presumo que essa atração acontece quando o disco ainda está dissipativo (ou seja, ainda tem muita fricção por gás).

Mensageiro Sideral – Pelo Sistema Solar, vemos que Netuno não se encaixa com exatidão. É possível que haja um alcance além do qual as quase-ressonâncias se tornam menos importantes e a incerteza sobre a posição do planeta aumenta?
Lineweaver - Eu acho que algo assim pode ser verdade. Outra opção é que, embora haja dissipação suficiente nos estágios iniciais de formação planetária para estabelecer um padrão de órbitas ao estilo de Titius-Bode, pode haver espalhamento e migração pela interação entre planetas que acabam por apagar o padrão tipo TB.

Mensageiro Sideral – A recente pifada do satélite Kepler vai atrapalhar a corroboração da sua hipótese, ou há dados suficientes no momento para identificar pelo menos alguns dos planetas que você previu?
Lineweaver - A perda do Kepler não irá ajudar. Esperamos que apenas uma minoria de nossas previsões apareça nos dados do Kepler. Há três razões para isso. Primeiro, a relação de Titius-Bode não faz nenhuma previsão sobre as massas mínimas de nossos planetas preditos (pense, por exemplo, na predição de Titius-Bode para o cinturão de asteroides em nosso Sistema Solar). Planetas pequenos, com raio menor que o da Terra, não podem ser vistos nos dados do Kepler. Em segundo lugar, o Kepler é um detector de planetas em trânsito. Os sistemas exoplanetários não são perfeitamente coplanares. Há um espalhamento de uns poucos graus (como no nosso Sistema Solar). Logo, algumas das nossas predições não vão aparecer. Nosso próximo estudo irá quantificar isso. Em terceiro, alguns dos períodos são longos e, para planetas de raio relativamente pequeno, o Kepler não terá uma relação sinal-ruído suficiente para detectá-los.

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